Josefa
Em 1958, o presidente do Brasil era Juscelino Kubitschek e o governador da Paraíba era Pedro Gondim.Aquele foi um ano de grande seca no Sertão do estado da Paraíba. E por isso, os agricultores foram beneficiados com a emergência, que era um programa do governo.
Os homens trabalhavam na construção de açudes ou de estradas e recebiam por esse trabalho um dinheiro pouco, mas que para eles, que eram extremamente pobres, tornava-se razoável.
No São Diogo, Joaquim e sua família enfrentaram a fome e muitas outras dificuldades, no entanto, não deixavam de lutar por dias melhores.
Joaquim era casado com Josefa, e com ela tinha seis filhos. Eles sempre viveram da agricultura. No inverno plantavam muito e em época de colheita, era sempre uma festa para eles. Josefa trabalhava na roça, ajudando o marido e nunca havia se queixado disso. Eles levavam as crianças para a roça e enquanto trabalhavam, os filhos ficavam debaixo de uma árvore. Quando estava próximo ao meio-dia, Josefa largava a enxada e ia para a árvore, onde fazia o almoço.
Mas em 1958, a chuva não veio e a vida deles tomou outro rumo. Nas primeiras noites de Janeiro daquele ano, Joaquim esperava pela chuva, que não vinha. No nascente, muitos relâmpagos, entretanto, não chovia. Ele não perdia a esperança e ia dormir acreditando no dia seguinte. Quando Fevereiro chegou e a água não caiu, ele percebeu que estava perdido.
_E agora Juaquim, o qui vamu fazê?
_Rezá pra San Jusé, pra qui dia dizenovi de mauço chova muito. Disse o homem cabisbaixo.
Dois meses sem chuva e dois meses de dificuldades naquela casa. Sem o milho para fazer o angu, o macunzar e o pão de milho, sem o feijão e sem os jerimuns, eles praticamente não tinham o que comer. Por sorte, Josefa sempre criou muitas galinhas e era com que estava sobrevivendo. Até por que, se eles não comessem as aves, elas morreriam de fome, pois não havia mais com que alimentá-las.
_As galinha tão cheganu ao fim, o qui vamu faze agora? Perguntou Josefa para o marido.
_Deus vai mandá um jeitu.
No fim de Março, houve uma ou duas chuvas, o que deixou Joaquim otimista e então ele conseguiu umas sementes de milho e feijão com um amigo seu, chamado Antônio Emídio e plantou sua rocinha. Porém, a chuva não apareceu e após dois meses, sua roça estava destruída, a falta d’água não permitiu que suas plantações sobrevivessem. A tristeza naquela casa foi enorme. As lágrimas de desespero brotavam do rosto cansado e sofrido de Joaquim.
Por esse tempo, Josefa descobriu que estava grávida e num ato de desespero, tomou umas ervas do mato para abortar. Ela não queria que a criança nascesse em meio a fome e a miséria._Fiz o certu.Pensava ela.
O marido nem ficou sabendo deste acontecido, sua mulher não quis lhe trazer mais um problema. A miséria já estava presente naquela casa, e Joaquim via os dias passarem e suas crianças ficarem pálidas e desnutridas, era uma situação muito difícil.
_Eu nunca imaginei qui issu fossi acontecê cum nois. Disse Joaquim para Josefa, um dia quando as crianças foram dormir chorando de fome.
O marido dela pôs as mãos na cabeça. Estava desesperado.
_Tô cum sodade de trabaiá na nossa roça e vê nosso mininus de bucho chêi, dibaxo da arvi. Disse a mulher de Joaquim, chorando.
_Eu tumbém jusefa.
_Nois passá fomi é uma coisa, mais nossas criança, eu num aguentu. Disse a mulher sem conseguir controlar as lágrimas.
O tempo passava e a seca aumentava, suas consequências assolavam a vida de Josefa e de seu marido. Eles viam os filhos sofrerem e não enxergavam nenhuma saída. O cavalo de Joaquim, seu único meio de transporte, morreu de sede.
_Sabi Juaquim, eu achu qui as coisa num pode piorá mais ainda.
_O qui ocê qué dizê cum issu, muié?
_Queru dize qui to cum fé em Deus, e pensu qui as coisa vai miorá.
Dois dias depois, Josefa ficou admirada ao ver o marido chegar em casa com um sorriso nos lábios. Ele vinha da casa de Antônio Emídio.
_O qui acunteceu, Quim?
_As coisa vai miorá, muié. Ontonhu Imidu dissi qui vai vim pra nois uma ta de emeigença. E qui ele vai levá eu ameã pra cunvesá cum Zabilo.
No dia seguinte, Joaquim acordou cedinho e foi até a casa de Antônio Emídio. De lá, eles foram para Sousa.
Zabilo era empresário e político, um homem muito rico, que ajudou muitas pessoas pobres em Sousa. Ele recebeu o amigo de Antônio Emídio com simpatia e após escutar sua história, deu-lhe uma boa quantia de dinheiro e mais um vale, para o mesmo comprar uma feira em uma das bodegas da cidade.
Joaquim saiu muito feliz ao lado do amigo.
_Muitu obrigadu Ontonhu Imidu, se num fossi ocê, eu e Jusefa mais os mininu ia morre de fomi. Obrigadu pru traze eu até Zabilo.
Joaquim mal conseguiu segurar o vale nas mãos, de tanto que tremia. Com satisfação e emocionado, ele colocou a feira na carroça do amigo e rumou para o São Diogo.
_E a ta da eimegença, vem mermu, Ontonhu?
_Vem sim, Joaquim. O governo já decretou estado de emergência no Sertão.
_Foi Zabilo qui dissi?
Antônio Emídio sorriu e disse:
_Zabilo também disse, mas eu li no jornal.
Em casa, a alegria de Josefa e dos filhos também foi intensa diante dos alimentos.
_Qui bom Quim, qui bom. Dizia a mulher segurando o pacote de farinha.
As crianças não esperaram nem ao menos a mãe partir a rapadura, foram logo lambendo a mercadoria alimentícia.
_E nutiça da ta da emeigença, tem?
_Tem. Ela vai vim e eu vô ganhá um dieirim.
Nesse momento, Josefa começou a chorar e sua filha mais velha, de sete anos indagou:
Mamai, pruque a siora ta choranu, a cumida num chegô ?
_É pruque to lembranu da nossa roça, do tempu,do nossu feijão. Seu pai nunca ganhô dieru qui num fossi da nossa roça.
Na verdade, Josefa estava com nostalgia da sua vida anterior. Ela sentia saudade de plantar e colher.
Duas semanas depois, Joaquim foi alistar-se na emergência em Sousa, assim como muitos outros homens do São Diogo e de sítios vizinhos.
O governo havia decretado a emergência. O que eles queriam era chuva, mas já que ela não veio, aquele programa do governo era uma esperança de ver a fome longe de seus lares. Chegando na cidade, eles enfrentaram uma longa fila para se alistarem. Alguns homens, até sentiram-se mal, de fraqueza.
Enquanto isso na casa de Josefa, as crianças queriam comida e choravam. A feira doada por Zabilo, assim com o dinheiro, haviam acabado. Na seca, dinheiro não rende.
Josefa olhou para os quatro cantos de sua cozinha e não viu saída, não tinha o que oferecer para as crianças. Seu pobre fogão só tinha o fogo aceso.
_Tô cum fomi, mamai. Dizia sua criancinha de três anos de idade, puxando a barra de sua saia.
Josefa foi ao quintal e pegou duas pedras médias. Em seguida, colocou essas pedras numa panela com dois litros de água, botou alho e corante e fez um caldo de pedras. Ela e os filhos tomaram esse caldo e “enganaram” a fome. Quando Joaquim chegou, pálido de fome, sua mulher esquentou um prato de caldo e lhe deu.
_Cardo de peda, muié? Perguntou ele espantado.
_Num tivi oitra saída, Quim.
Depois de alistado, o marido de Josefa começou a trabalhar na construção de estradas. Sempre contente, ele jamais reclamava, apesar de sentir saudade de sua vida de agricultor. Foi então, que as coisas começaram a melhorar. Uma pequena bodega naquele sítio, passou a vender fiado aos empregados na emergência, até eles receberem o dinheiro. E Joaquim aproveitou essa oportunidade. Suas crianças não tiveram mais que tomar caldo de pedra.
Quando tudo parecia melhorar, as crianças de Josefa adquiriram uma forte conjuntivite, que eles chamavam de dordóia. Os filhos de Joaquim acordavam e não conseguiam abrir os olhos. A mãe ficava aflita e colocava água para os olhinhos deles abrirem.
_Mamãi, queru ver o mundu. Dizia seu filho de cinco anos.
Além de terem dificuldades para conseguir abrir os olhos, as crianças tinham falta de apetite, forte dores nos olhos, febre baixa e inchaço nas pálpebras.
Josefa lembrou de que quando era criança também teve essa doença e sua mãe lavou seus olhos com urina de vaca. Então, no segundo dia da conjuntivite de seus filhos, ela levou os mesmos até a casa de Antônio Emídio e lavou os olhos deles com a urina da única vaca, daquele homem que tinha sobrevivido à seca. Depois daquele dia, as crianças melhoraram. Joaquim recebia seu dinheiro mensalmente e Josefa tinha esperanças de que o futuro trouxesse o inverno e devolvesse sua vida na roça.
Josefa e Joaquim enfrentaram a seca e a vida, sempre confiantes em um novo tempo.
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