Malvina
O ano era 1979.O Lugar
era o Sítio Pinhão, município de Sousa, cidade localizada no Alto Sertão
da Paraíba.
Malvina vivia sozinha, lutando muito para criar seus quatro
filhos pequenos. Desde que Ezequiel, seu marido, foi trabalhar em Serra Pelada,
no estado do Pará, que ela vendia cocadas de portas em portas, para sobreviver.
O dinheiro que Ezequiel mandava era muito pouco, mal dava para comprar o
alimento. O trabalho nas minas era perigoso e mal remunerado. Ele só continuava nesse serviço porque não havia
outro. Sua esposa quase não dormia à noite pensando no risco que ele estava
correndo, e todas ás vezes que chegava uma carta, ela hesitava em abrir, com
medo que fosse uma notícia ruim. Tudo que Malvina mais queria na vida era que
um dia aparecesse um trabalho melhor, para que o esposo largasse as minas.
Das quatro crianças, a mais velha, que tinha dez anos de idade,
era a única que podia compreender um pouco a preocupação da mãe.
_Todos os dias mãezinha, rezo antes de dormir pedindo a Deus
para proteger papai. Disse a menina, um dia para a mãe.
Malvina abraçou emocionada a filha, e disse que ela fazia
muito bem em rezar pelo pai, que corria muitos perigos. Além de sofrer com a
preocupação, aquela mulher sofria com a saudade que era imensa . Fazia quase um ano que Ezequiel
estava em Serra Pelada. Tinha sido convidado por um amigo para ir tentar a vida
naquele lugar.
Todos os dias, Malvina tinha a sensação que nunca mais veria
o marido. Quando contava isso a suas vizinhas, elas diziam que era coisa de sua
imaginação e que era devido as suas excessivas preocupações, porém, a vendedora
de cocada tinha um péssimo pressentimento,
que a fazia acreditar que não veria mais o rosto de Ezequiel. Era
principalmente nos fins de tardes, que ela sofria com essa terrível sensação.
Todos os dias, Malvina saía com uma bacia de cocadas na
cabeça, para vendê-las. Eram cocadas de coco, muito gostosas. Além de vender no
Pinhão, ela também vendia no São Diogo, que era um povoado bem distante do seu
sítio, e a pobre ia e voltava a pé. Era uma mulher batalhadora. Malvina tinha
muitos fregueses nesses dois sítios. Se não fosse o dinheiro que a mesma
apurava com as cocadas, teria passado muitas necessidades. Quando as crianças
lhe avistavam corriam pedir moedas aos pais, para comprar uma cocada.
_Desse jeito Malvina, não tem moeda que chegue nos nossos
bolsos. Dizia a mãe de uma das crianças que compravam a Malvina.
A culpa é da cocada, que é boa demais. Respondia a
vendedora, rindo.
E assim, por onde ela passava, a criançada corria para cima,
alegres e ansiosas para comerem uma cocada. Quando chegava em casa, Malvina
estava com os bolsos cheios de moedas.
_Agradeço a Deus por saber fazer essas cocadas, se não
fossem elas, não sei o que seria de nós. Dizia ela para os filhos.
Estes, sentiam muita
falta da mãe em casa. Malvina demorava voltar, e eles não gostavam de ficar sem
a mãe. A mais velha era a que mais sofria sua ausênsia, pois tinha que dar
banho nos irmãos, alimentá-los e ás vezes ainda cuidava da comida. Quando
Malvina deixava o feijão no fogo, a menina subia no fogão a lenha, para mexê-lo e colocar água, já que
era pequena e não podia alcansá-lo. Um dia, ela chegou a sofrer uma queimadura,
o que deixou Malvina muito culpada, mas não havia outro jeito, tinha que ir
trabalhar. E assim, a infância daquelas crianças era marcada pela falta dos
pais. À noite, Malvina preparava as cocadas e no outro dia depois do almoço,
ela saía vender.
Uma vez, quando Malvina chegou em casa, encontrou uma carta
do marido. Nela, ele contava de uma explosão que tinha acontecido outro dia nas
minas, e que por pouco não lhe levou a vida. Também escreveu sobre a precária
alimentação naquele local, e ainda descreveu as péssimas condições em que ele e
seus companheiros viviam. Ezequiel concluiu dizendo que assim que juntasse um
dinheiro significativo, iria abandonar Serra Pelada e voltar para casa.
Sua mulher leu aquela carta entre lágrimas e ficou ainda
mais preocupada.
_Mas Malvina, você tem é que ficar alegre, ele tá com planos
de voltar. Disse Bia,uma vizinha e amiga da vendedora de cocada, quando ela foi
chorar em sua casa e contar da carta.
_E se acontecer outra explosão?
_Não vai acontecer, calma mulher!
_Sabe, minha amiga, algo me diz que eu e Ezequiel não nos
veremos mais.
_Você tá é sofrendo dos nervos, Malvina.
_Eu não queria que ele fosse, mas Ezequiel só escutou o
amigo, não quis me ouvir.
_Tenha calma, você vai ver que tudo ficará bem. Preocupe-se
e pense em suas cocadas e deixe de pensar em besteiras.
_Se nós não tivéssemos parado de estudar, talvez nossa vida
hoje, fosse outra. Disse Malvina.
_É, mas aqui no Sítio, sempre foi assim: Quando estávamos
alfabetizadas, deixávamos a escola, achando que já era o suficiente.
_Meu coração vive tão apertado, tão triste e sempre
esperando algo ruim. Estou com medo. Continuou Malvina.
_Quando seu marido chegar, isso vai passar. Tudo passa na
vida. Disse sua amiga.
Os dias passavam e a vendedora de cocada, estava cada vez
mais triste e abatida com medo que acontecesse alguma coisa ruim com Ezequiel.
Havia perdido quatro quilos em pouco tempo, só de imaginar o pior. Por mais que
Bia lhe aconselhasse, ela não conseguia parar de pensar no marido. Seu
pensamento estava sempre no Pará.
_Acho que minha amiga está enlouquecendo, meu Deus, como o
ser humano é fácil de enlouquecer. Dizia Bia para seu marido.
Se não fosse o trabalho, Malvina já teria enlouquecido mesmo,
seus pensamentos ruins eram constantes.
Ela não queria pensar, porém, eles simplesmente invadiam sua mente,
principalmente, quando a mesma ia dormir e ao entardecer, quando voltava para
casa. Ela tinha certeza que não veria mais Ezequiel.
_Hoje vou dormir bem tarde minha filha, vou fazer dois ou
três tachões de cocadas.
_Por que a senhora vai fazer tantas assim, mãe?
_É que graças a Deus, tô vendendo muito e tão até me
encomendando. Uma mulher me encomendou umas trinta, e amanhã tô indo entregar.
_Que bom, mamãe.
Malvina trabalhou a noite inteira e no dia seguinte, quando
as crianças ainda estavam dormindo, ela saiu.Até o meio-dia vendeu duas
bacias,e almoçou na casa de uma freguesa, depois foi deixar a encomenda de uma
senhora que morava muito distante daquele povoado, num lugar quase deserto,
onde existia apenas uma casa, que era a da citada senhora. Apesar de ser
cansativo, a vendedora caminhava contente, pois iria apurar um bom dinheiro. No
caminho, ela lembrou subitamente do dia em que casou com Ezequiel, e sentiu uma
enorme angústia no coração. Mas continuou andando, estava já avistando a casa
da mulher.
Ao chegar lá, ela foi mordida por um cachorro que estava com
raiva. Dois dias depois, Malvina morreu.
Maria do Socorro Abrantes Sarmento
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